Mensagem do Presidente | Janeiro 2020

Na minha análise, um dos marcos do setor da eletricidade renovável em 2019 foi, sem dúvida, o leilão de 1 400 MW de capacidade de rede para a geração a partir fonte solar fotovoltaica, dos quais foram atribuídos 1 292 MW, registando-se as tarifas mais baixas de sempre, o que colocou Portugal nos olhos do Mundo. Neste procedimento concorrencial foram definidos dois tipos de regime remuneratório, que tiveram por base o objetivo de obter uma  representativa contribuição – o sobreganho para o consumidor de eletricidade -  para a sustentabilidade económico-financeira do Sistema Elétrico Nacional (SEN) por um período de 15 anos: o regime de remuneração garantida, para o qual resultou uma tarifa média de 20,4 €/MWh, e o regime de remuneração geral, com uma contribuição média para o sistema de 21,4 €/MWh. Com este modelo, o Governo estima um ganho, em 15 anos, de cerca de 600 milhões de euros para os consumidores de eletricidade.


Mas nem tudo foram notícias positivas. Este ano foi crítico ao nível da dependência externa do SEN, tendo-se registado um saldo largamente importador de eletricidade no montante de 3,4 TWh, impulsionado pela entrada em operação da central marroquina a carvão Safi de 1 386 MW, em dezembro de 2018. Esta central consegue fazer ofertas a preços mais baixos no mercado de eletricidade que as da Península Ibérica, pois encontra-se fora do mercado europeu de carbono, que sofreu um aumento significativo de preços com a reforma do EU-ETS. Assim, esta situação é particularmente crítica, dado que incute uma ideologia oposta aos desígnios de combater as alterações climáticas, ainda mais quando, a 28 de novembro de 2019, foi decretado pelo Parlamento Europeu o estado de emergência climática, do qual resultou uma meta ainda mais ambiciosa de redução de emissões de GEE na Europa de 55% até 2030, quando comparada com os níveis de emissões de 1990.


Esta importante decisão surgiu por iniciativa da recentemente empossada Comissão Europeia (CE), presidida por Ursula Von der Leyen, que defende este compromisso mais ambicioso de redução de emissões de GEE, uma posição que se materializou na importante proposta de um acordo para a União Europeia (UE) e os seus cidadãos: o European Green Deal. Este acordo traduz um novo modelo de desenvolvimento socioeconómico, que tem por objetivo transformar a União Europeia numa sociedade justa, coesa e próspera, através do desenvolvimento de uma economia moderna, eficiente no uso de recursos, com uma estratégia competitiva inovadora, a qual terá como resultante a neutralidade carbónica em 2050, alcançada através da criação e sustentação de um motor de crescimento económico descorrelacionado do uso intensivo de recursos naturais não renováveis, disponíveis no meio ambiente.


Nas ações definidas no European Green Deal está incluída a previsão de criação de duas importantes peças legislativas em termos de ambição climática: (i) Nova Lei/Directiva Climática para a UE; (ii) Proposta de revisão da Diretiva da Tributação da Energia. Ambas com o objetivo de dar força legal e reforçar a irreversibilidade do caminho para a neutralidade carbónica até 2050.


A ambição da CE terá de ser obrigatoriamente incorporada nos Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC) dos Estados Membros, que serão avaliados e eventualmente revistos até junho de 2020, a fim de concretizarem estes novos objetivos climáticos para a União Europeia. Importa ainda recordar que o objetivo de atingir a neutralidade carbónica do país em 2050 é uma vontade nacional inequívoca, refletida no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050, promulgado na Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019, um documento que define o compromisso e estratégia nacionais de longo de prazo, e que foi aprovado em junho de 2019.

 

É também incontornável salientar a prestação do setor Português de geração de eletricidade renovável em 2019. Dos 49 TWh de eletricidade gerados em Portugal, 56 % foram de fonte renovável. Esta participação foi maioritariamente suportada pela tecnologia eólica, que representou 28%. Destaco ainda o significativo acréscimo na geração solar fotovoltaica, já reflexo da entrada em operação em 2019 de mais de 110 MW de potência.


O ano fechou com a produtibilidade renovável em alta, tendo o mês de novembro registado mais um marco histórico da tecnologia eólica de Portugal continental, que alcançou uma geração diária nunca antes registada, de 103,1 GWh. Já em dezembro, Portugal superou, mais uma vez, o período ininterrupto de consumo 100 % renovável, com as renováveis a assegurarem durante 131 horas (o correspondente a 5 dias e meio), com início no dia 18, a satisfação do consumo em Portugal continental Este facto resultou de uma acentuada geração hidroelétrica e eólica, demonstrando, mais uma vez, a elevada resiliência do sistema elétrico nacional face a grandes níveis de integração renovável. Estas condições meteorológicas favoráveis em dezembro, contribuíram ainda significativamente para a redução do preço do mercado diário de eletricidade, que registou um valor de 33,7 €/MWh, tendo o preço médio diário anual ficado nos 47,9€/MWh. 


Estes importantes marcos vêm consolidar os inúmeros benefícios para a sociedade, economia e ambiente da eletricidade renovável, dos quais se destacam, em 2019: 


•    Uma poupança em importações de combustíveis fósseis de 743 M€ ;
•    15,0 Mt de emissões de CO2 evitadas,
•     tendo sido evitado um dispêndio em licenças de emissão de CO2  no valor de 374 M€, reflexo do atual valor das licenças de 24,8 €/tCO2, que viu um incremento de 56% face ao ano passado.


A encerrar 2019, a APREN, a convite do Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática de Portugal, participou na mesa redonda do evento “Portugal’s Long term Strategy – enhancing 2030 targets and making finance flows work towards carbon neutrality by 2050”, evento promovido por este Ministério na COP 25, em Madrid, na qual eu representei a Associação. Nessa mesma deslocação, a APREN participou também na conferência Sharing solutions for energy transitions: a view from both sides of the Atlantic, organizada pelo Club Español de la Energía, tendo estado representada por José Medeiros Pinto.


Ainda em dezembro, e em resultado da conclusão do novo standard e melhores práticas de O&M e Asset Management para centrais fotovoltaicas, elaborados por um grupo de trabalho europeu do qual a APREN  faz parte, tive a honra de novamente representar a Associação no evento  O&M and Asset Management, organizado pela Solar Trade Association em parceria com a Solar Power Europe, que se realizou em Londres e onde ocorreu a apresentação do referido standard.   


Também quase no final do ano, a APREN participou na 14.ª Expo Conferência da Água, organizada pelo Jornal Água & Ambiente, na qual fui responsável pela moderação do debate “Investimentos Mobilizadores de Oportunidades para o Mercado da Água”. 

 

A participação em eventos relevantes para o setor, e posterior divulgação da informação mais importante pelos Associados da APREN, continuará a ser uma aposta clara da Associação em 2020, ano em que se regista o fecho de uma década marcada pelo mapeamento de caminhos ambiciosos com vista à neutralidade carbónica e necessária transição energética, enquanto ferramenta fundamental de combate às alterações climáticas, que terá particular relevância e reflexo na década de 2021-2030. Até 2030 espera-se a implementação e concretização do ambicioso Plano Nacional de Energia e Clima, no qual Portugal se compromete a atingir uma incorporação de energia renovável na geração de eletricidade de 80%, com um muito provável ponto de partida na ordem dos 59%.

 

Gostaria de referir ainda que 2019 foi claramente um ano de viragem no rumo da política energética em Portugal, no que às renováveis diz respeito. O Governo Português, ao definir uma estratégia a 10 anos, com objetivos quantificados para o sector da eletricidade renovável, cria as condições necessárias para atrair os investimentos e financiamentos adequados à economia nacional rumo a um serviço de eletricidade mais barato, mais justo, e com ativa participação da cidadania. No entanto, exige-se coerência entre a política energética e a política fiscal no que concerne às taxas e impostos aplicáveis às renováveis. A fiscalidade, em sentido lato, tem de criar as condições necessárias para a captação dos investimentos e financiamentos adequados à economia nacional. A estabilidade regulatória tem de obrigatoriamente incorporar a previsibilidade do regime fiscal. Relembro que a CE tem prevista a revisão da Diretiva da Fiscalidade Energética até junho de 2021. Espera-se que a pasta da fiscalidade do Governo compreenda a criticidade e o impacto de uma adequada política fiscal, pois:

 

Portugal Precisa da nossa Energia!